A liquidação de sentença é uma “atividade judicial cognitiva pela qual se busca complementar a norma jurídica individualizada estabelecida num título judicial” (DIDIER JR, 2014, p. 112).
A partir de extinção da ação executiva no novo Código de Processo Civil (NCPC), a liquidação de sentença foi deslocada do livro destinado ao Processo de Execução para o capítulo que trata do Processo de Conhecimento (Livro I, Capítulo IX, Título VIII), mudando sua natureza jurídica, de ação cognitiva vinculada à sentença para um mero incidente processual que antecede a fase de cumprimento da sentença (DRESCH, p.38).
O NCPC, ao regular o procedimento de liquidação de sentença, define a liquidação como um procedimento prévio à execução (cumprimento da sentença). No processo do trabalho, a execução sempre foi uma fase do processo e a liquidação de sentença prévia ao procedimento de execução. A modificação no processo civil apenas confirma que, na liquidação de sentença trabalhista, não é aplicável a regra de subsidiariedade do art. 889 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (normas do “processo dos executivos fiscais”), que se destina aos “trâmites e incidentes do processo de execução” – mas sim a regra do art. 769 da CLT (normas do “direito processual comum”).
No processo do trabalho, a escassa base normativa contida na CLT, que praticamente se resume ao art. 879 da CLT, faz com que nesta fase processual aplique-se subsidiariamente, nas lacunas da norma trabalhista, boa parte das normas do processo civil atinentes à liquidação por sentença, quando não sejam incompatíveis com o processo trabalhista (art. 769 da CLT). Ao contrário do que ocorre na fase de cumprimento de sentença, na fase liquidatória trabalhista não se aplicam subsidiariamente as normas que regem os processos de execução fiscal (Lei n. 6830/90, devendo entender-se a expressão “processo de execução” contida no art. 889 da CLT como sendo a fase processual trabalhista que se inicia com a citação (art. 880 da CLT) do executado para pagar a dívida. À fase de liquidação, assim, aplicam-se as normas do processo comum.
Tal aplicação subsidiária, entretanto, se faz de forma heterodoxa, adaptada às particularidades do processo do trabalho, moldada pela prática forense e sem estar necessariamente plasmada em regulação formal. Tal aplicação subsidiária– basicamente no que concerne à garantia do contraditório -, resulta em um procedimento híbrido, consolidado na prática, mas bastante distinto do previsto nas normas do processo civil. Exemplo de tal aplicação híbrida é a inexistência de qualquer recurso contra a sentença de liquidação, que somente pode ser manejado após a penhora (art. 884, parágrafo 3º, CLT). Nesse sentido, por norma expressa, o devedor somente pode impugnar a sentença por meio de “embargos à penhora”, o mesmo ocorrendo com o credor por meio de “impugnação à sentença de liquidação”.
A sentença de liquidação de sentença como procedimento de cognição que a aproxima da sentença de conhecimento
Nos termos do parágrafo único do art. 1015 do NCPC, contra as decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença, cabe agravo de instrumento. Pelo que se deduz, mantém-se a sistemática adotada pelo CPC anterior (art. 475 H), pela qual da decisão prolatada em sede de liquidação cabe agravo de instrumento[1]. No processo trabalhista, o recurso cabível é o agravo de petição (CLT, art. 897, “a”).
Conforme Eduardo Talamini (2005), no processo comum, a irrecorribilidade das decisões interlocutórias na fase de cumprimento da sentença faz bastante sentido porque, a sentença final (quando ocorre) “é meramente processual e presta-se a declarar o fim da atividade executiva”, algo que “justifica o cabimento generalizado do agravo de instrumento contra interlocutórias no processo executivo e no cumprimento de sentença”; porém, não explica porque, na fase de liquidação (atividade cognitiva e que tende a uma decisão final de mérito), não se aplicam “os mesmos parâmetros de recorribilidade das interlocutórias adotados na fase de conhecimento”. Assim, o autor propõe que, na liquidação de sentença, adote-se o mesmo procedimento da fase de conhecimento, ou seja, ainda que se denomine a decisão na liquidação de sentença como interlocutória (o que é doutrinariamente questionável, já que aquela se assemelha mais a um sentença de conhecimento), “bastaria uma regra especial, determinando que as interlocutórias proferidas no curso da fase liquidatória deveriam ser suscitadas como preliminares do julgamento do agravo cabível contra a decisão final de liquidação, ou seja, esse agravo cumpriria o papel que cumpre a apelação na fase cognitiva” (TALAMINI, 2015).
Por certo a inexistência de recursos imediatos” contra decisões interlocutórias é uma das características do processo do trabalho, mas, tal como constata o processualista civil, também no processo do trabalho, o enquadramento da sentença de liquidação como decisão interlocutória causa grande transtorno.
Não é razoável que inexista qualquer recurso contra a sentença de liquidação, remetendo-se eventual discussão à fase executiva. Por certo, é bastante lógico que, na chamada “execução aparelhada” se permita a discussão, após a garantia do juízo, de eventual excesso de execução. Mas não é lógico que, na execução trabalhista de título judicial se aceite discutir novamente matéria de liquidação de sentença. Porém é exatamente o que acontece no processo do trabalho: além da discussão na fase de liquidação de sentença, ocorre, após a garantia do juízo, uma nova e intensa discussão sobre qual o valor que deve ser pago, inclusive com recurso (agravo de petição) à “sentença de embargos à execução” e/ou “sentença de impugnação à sentença de liquidação”, o que, em realidade, se torna uma segunda sentença de liquidação, já que a primeira ocorre quando da homologação dos cálculos de liquidação.
Isso decorreu de uma interpretação ampliada das possibilidades de uso dos embargos de execução e da impugnação à sentença de liquidação[2] (art.884 CLT) e uma indevida aplicação subsidiária do art. 16, parágrafo 1º[3] à liquidação de sentença trabalhista, que exige a prévia e integral garantia da execução como condição “sine qua non” para a oposição do executado, manejada por meio de embargos. Assim, um procedimento próprio das ações executivas em que se exige a garantia do juízo para exercício do contraditório na execução, passou a ser adotado impropriamente em um procedimento prévio à execução. A pretexto de “maior celeridade em benefício do credor”, o processo do trabalho passou a oferecer ao executado dois momentos de discussão para “acertamento de contas”: um prévio à execução (liquidação de sentença); outro, após a garantia do juízo (embargos à execução).
Misturam-se, aqui, dispositivos legais destinados a imprimir celeridade e eficácia à execução, plenamente justificados em seu contexto próprio, mas, quando associados, criam uma situação ambígua e contraproducente.
Tal situação levou a soluções bastante peculiares. Em prol da simplificação e da celeridade processuais, na prática, ocorre uma homologação expedita de cálculos apresentados por uma das partes ou elaborados por servidor para, após a garantia do juízo, oferecer às partes a possibilidade de uma defesa mais ampla e acurada, que é feita por meio de embargos à execução ou impugnação à sentença
Embora consolidado na prática, tal aplicação heterodoxa das normas do processo civil em subsídio ao processo trabalhista não propiciam maior celeridade, já que implicam em duplicidade de apreciação do mérito, além de representarem questionável restrição ao direito de defesa do devedor, já que a rápida homologação dos cálculos representam que o início da fase de cumprimento da sentença (citação) seja feita por um valor homologado ainda pouco debatido e potencialmente superior ao devido, obrigando o devedor a garanti-lo como pressuposto para apresentação de embargos.
Cabe questionar, em uma necessária releitura sobre a aplicabilidade das normas do processo civil, se é possível revisar tais procedimentos, dando à liquidação de sentença maior segurança jurídica e celeridade.
Seria possível pensar que uma interpretação menos rigorosa do parágrafo 3º do art. 884 da CLT pela qual o executado poderia impugnar a sentença de liquidação em embargos à penhora apenas em hipóteses de cumprimento da sentença ou acordo (matérias típicas de execução como legitimidade de parte, por exemplo), mas não em matéria de cálculos, que ensejariam agravo de petição imediatamente após a prolação da sentença de liquidação. Dessa forma, transitada em julgado a sentença de liquidação, ou seja, fixada a quantidade de unidades monetárias devidas, não haverá falar em revisão dos cálculos exceto no que tange à atualização monetária e juros.
A aplicabilidade do NCPC na liquidação de sentença adequada à complexidade do processo trabalhista
O NCPC prevê a liquidação de sentença no capítulo XIV, artigos 509 a 512. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) não se pronunciou pela sua aplicabilidade ou não ao processo do trabalho, uma vez que silencia sobre os artigos em questão na Instrução Normativa n. 39.
A mudança da legislação processual civil tem o condão de alterar significativamente a regulação dos procedimentos de liquidação de sentença, tendo-se em conta que, por expressa dicção do artigo 15 do NCPC, suas disposições, na ausência de normas trabalhistas, são aplicáveis, não apenas subsidiariamente, mas supletivamente, ou seja, mesmo nas hipóteses em que exista norma trabalhista regulando a matéria, mas não de forma completa. Assim, abre-se caminho para uma aplicação de forma complementar, ainda quando não omissa a CLT, quando as normas do processo civil forem mais efetivas do que as da CLT e compatíveis com os princípios do processo do trabalho (SCHIAVI, 2015).
O artigo 509 do NCPC, ao contrário de prever três modalidades de liquidação (por cálculo, por arbitramento ou por artigos) como faz o artigo celetista, fala em liquidação “por arbitramento” (quando determinado pela sentença, convencionado pelas partes ou exigido pela natureza do objeto da liquidação) ou “por procedimento comum” (quando houver necessidade de alegar e provar fato novo). A liquidação por simples cálculo aritmético está prevista no parágrafo 2º do art. 509 do NCPC, hipótese em que o credor poderá promover, desde logo, o cumprimento da sentença. O que se está a dizer é que o simples cálculo aritmético, ainda que computando juros e atualização monetária, não merece ser denominado tecnicamente como “liquidação de sentença”.
A discussão remete à polêmica também presente na doutrina trabalhista quanto à existência de uma real fase de liquidação de sentença no processo do trabalho, mas apenas de uma “fase de quantificação ou de acertamento” (SANTOS, 2011, p. 42). Classicamente pensa-se a liquidação de sentença no processo do trabalho como uma simples operação de cálculo matemático, supondo-se que todos os elementos para sua elaboração devem estar contidos na sentença liquidanda (OLIVEIRA, 2006, p. 1423).
O processo trabalhista originalmente foi pensado para resolver questões simples de desacordos entre empregado e empregador, desinteligência quanto à interpretação legal ou descumprimentos pontuais da legislação laboral, ou seja, matérias de fácil resolução, de preferência resolvidas por acordo entre as partes envolvidas e que, no máximo, requeriam, em liquidação de sentença, cálculos aritméticos equacionados por um número bastante restrito de termos, bastando em geral o valor atualizado do salário, o tempo de meses trabalhados, o arbitramento do número de horas extras/noturnas prestadas por mês, a média de dias trabalhados por mês e uma média de dias de repousos no mês, tudo para cálculo das rescisórias, de um valor arbitrado de horas extras/noturnas e de repousos não pagos.
A realidade atual do processo de trabalho é de uma inicial com múltiplos pedidos e de uma contestação lacunosa em que se torna inviável exigir-se do julgador, (“beira ao absurdo”, no dizer de Garcia, 2002) que, em sentença, formule cálculo de todas as verbas deferidas.
Assim, na maior parte dos processos trabalhistas, a liquidação de sentença não se faz por simples cálculo, mas pelo procedimento agora chamado “por arbitramento”, através da homologação pelo juiz de cálculos elaborados por técnicos especializados que utilizam fórmulas bastante elaboradas para equacionamento de operações complexas que exigem, não apenas conhecimento matemático, mas contábil e atuarial. Não raramente também se faz a liquidação de sentença por artigos, agora denominado “procedimento comum”.
À medida em que a própria relação de trabalho tornou-se mais diversificada, aumentaram enormemente o número de pedidos por processos e os cálculos trabalhistas tornaram-se consideravelmente mais complexos. Atualmente, não é mais possível a liquidação do mais simples dos processos sem que se saiba, no mínimo, quais as parcelas que compõem o salário contratual do empregado, quais destas tem natureza salarial/indenizatória, qual a memória de cálculo de cada parcela, qual a periodicidade de pagamento de cada parcela, quais os percentuais e épocas de reajustes salariais, quais as integrações adotadas pelo empregador, quais os períodos e percentuais de incidência das contribuições previdenciárias, etc. Mais: a partir da profissionalização por peritos contábeis passou-se a exigir precisão centesimal nos cálculos de liquidação, tornando-se pouco correto ainda falar-se em liquidação “por arbitramento”.
A realidade, portanto, evidencia que o processo do trabalho tornou-se bastante mais complexo e exigente, não sendo mais aceitável a redução dos cálculos trabalhistas a fórmulas incompletas, simplificações contábeis e arbitramentos aproximativos.
As possibilidades concretas de um procedimento simplificado
Na sistemática do processo civil, o encargo de promover a liquidação é do interessado (credor ou devedor) na forma do art. 509 NCPC, ao contrário do processo trabalhista, em que a liquidação e a própria execução se fazem “ex officio” (art. 878 e 879 CLT). Essa diferença a partir do NCPC fica mitigada, na medida em que o NCPC incumbe ao juiz a direção do processo (art. 139 “caput”), dotando-lhe de um série de poderes (art. 139, IV) que lhe permitem evitar procrastinações (art. 139, III), dar maior efetividade ao processo (art. 139, VI) e velar pela razoável duração razoável do processo (art. 139, I).
Entretanto, apesar da natureza inquisitorial do processo do trabalho (art. 765 CLT), esta não chega ao ponto de admitir que possa o juiz, após o transito em julgado da sentença de conhecimento, determinar diretamente a realização dos cálculos, sem oportunizar previamente às partes que o façam. Ante a clareza do parágrafo 1º B do art. 879 da CLT, que determina que as partes deverão ser previamente intimadas para a apresentação do cálculo de liquidação, inclusive da contribuição previdenciária incidente, não há como entender-se que, de ofício, possa o juiz remeter esse encargo a servidor ou a contador nomeado, antes de propiciar às partes a feitura dos cálculos liquidatórios.
Outra regra em que não se pode constatar omissão que justifique aplicação subsidiária do NCPC é a do art. 879 parágrafo 2º, pela qual, ao término do procedimento de liquidação da sentença, ou seja, quando proferida a sentença de liquidação, a critério do juiz, as partes poderão ser intimadas para apresentação de impugnação fundamentada com indicação de item e valores objeto de discordância, sob pena de preclusão.
A primeira observação necessária é que tal procedimento não é obrigatório, mas facultativo. Ainda assim, é altamente recomendado, uma vez que reduz substancialmente as matérias a serem enfrentadas durante a liquidação, na medida que estabelece prazo preclusivo e exige que toda impugnação seja fundamentada e matematicamente demonstrada.
A segunda observação é que, aparentemente, o objetivo do legislador foi o de estabelecer um contraditório somente depois da sentença de liquidação, uma vez que o texto legal fala em “elaborada a conta tornada líquida”. O objetivo parece ter sido criar um procedimento simplificado no qual uma conta seria elaborada pelo próprio juízo, o que estabeleceria uma liquidação realizada de ofício pelo juiz. Entretanto, tal possibilidade é contraditória, como se viu, com a regra contida no parágrafo 1º B do próprio art. 879. Além disso, uma interpretação literal do artigo 879 parágrafo 2º leva à situação algo peculiar de que as partes somente tenham de estabelecer os limites da decisão – que, normalmente, deveria ser homologatório dos cálculos de uma ou outra das partes – somente depois que a própria decisão tenha sido prolatada.
Na verdade, a própria ideia de um procedimento simplificado em que a sentença de liquidação se limite a chancelar uma conta singela e isenta de maiores questionamentos, é tributária de uma visão em que os cálculos trabalhistas são, em geral, pouco complexos, algo que não corresponde à realidade.
É preciso mencionar que, em face das contradições do artigo 879 parágrafo 2º, ainda que em uma interpretação que tangencia o texto legal, estabeleceu-se, na prática forense, o uso do prazo preclusivo nele previsto a partir da intimação das partes para apresentação dos cálculos, combinando-se, algo criativamente, o contido nos dois parágrafos do artigo 879: a previsão para as partes apresentarem previamente seus cálculos (parágrafo 1º B) com a determinação que o façam no prazo e de forma fundamentada, sendo que em eventual impugnação dos cálculos da parte adversa sejam indicados itens e valores objeto de discordância, sob pena de preclusão (parágrafo 2º). Nesse sentido, há de se reconhecer que não cabe falar em aplicação subsidiária do NCPC, pois não há qualquer omissão no processo trabalhista. Além disso, não há maiores contradições (exceto o prazo de quinze dias) com a regra do art. 511 NCPC relativamente à liquidação pelo procedimento comum, nem com o art. 510 NCPC ao regrar a liquidação por arbitramento.
Por outro lado, pode-se também cogitar de um “procedimento simplificado” que possa ser adotado nos casos em que, nos termos do art.509 parágrafo 2º do NCPC, a apuração do valor dependa de mero cálculo matemático, ou seja, quando a sentença já contenha todos os elementos que permitam esse cálculo, ainda que pendentes de atualização monetária e cômputo de juros. Tal situação pode ser encontrada com maior frequência nos processos de procedimento sumaríssimo (Lei n. 9957/2000), em que o pedido deve ser certo ou determinado, indicando o valor correspondente (art. 852 B, CLT)[4]. Na prática, aqui sim, pode-se falar em simples “acertamento” – e não liquidação de sentença. Porém, a possibilidade de que uma decisão que chancele imediatamente os cálculos simples apresentados pelo credor parece, mais uma vez afastada, por violar a regra de necessário contraditório prevista no parágrafo 1º B do próprio art. 879. Pela mesma razão, parece problemático pensar que possa o juiz, a pretexto de prolatar sentença líquida, mandar diretamente a decisão ao contador, para que esse “liquide” a sentença, criando a parte o ônus de, simultaneamente, recorrer da decisão e impugnar os cálculos do contador nomeado.
Mais complexo o debate quanto à própria necessidade de que o processo do trabalho deva ter um procedimento de liquidação de sentença, ou seja, o questionamento se a sentença de conhecimento trabalhista não possa ser, na maioria dos casos, líquida, contendo todos os elementos para que a liquidação se faça por simples cálculos.
Primeiramente, reconhece-se que poder-se-ia avançar bastante na prolação de sentenças de conhecimento mais completas, ou seja, que contenham todos os elementos que permitam, por simples cálculo, apurar o valor devido. Isso não importa necessariamente em prolação de sentenças de conhecimento ‘líquidas’ (no sentido de quantificação prévia das unidades monetárias), mas sim, em sentenças em que “todos os elementos são expressos e conhecidos, podendo ser apurado o valor monetário efetivo por simples e meros cálculos aritméticos” (GARCIA, 2002).
Ainda que, pela complexidade do processo do trabalho, tal completude seja muito difícil de alcançar, é possível pensar que, já na sentença de conhecimento, o juiz possa exigir tanto um melhor detalhamento do pedido, quanto um mais detalhado fornecimento de dados contábeis na contestação, de modo a poder definir, na decisão de conhecimento, parâmetros contábeis que serão necessários na liquidação de sentença.
Por fim, uma inovação potencialmente mais relevante do NCPC para o processo do trabalho está contida no art. 512, que permite a liquidação na pendência de recurso.[5] O dispositivo legal visa atender o comando constitucional de razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII) e, assim, pode-se dizer que, diferentemente do que previa a sistemática anterior, ao invés de “execução provisória” há de se falar em “liquidação provisória”, ou seja, permite-se que o credor ou o devedor possa requerer a liquidação da sentença ainda pendente de recurso ordinário.
Sob a pendência de recurso ordinário, o NCPC não se limita a permitir apenas a liquidação, mas também atos de execução. Intimado o devedor (art. 523, NCPC), este é instado a depositar o valor liquidado no prazo de quinze dias, sob pena de 10% de acréscimo mais honorários advocatícios, também de 10%.
Na forma do art. 525 parágrafo 6º, a apresentação de impugnação não impede a prática dos atos executivos, inclusive os de expropriação, facultado ao juiz, mediante requerimento do executado, atribuir efeito suspensivo desde que garantido o juízo.
Em uma aplicação supletiva do art. 899 da CLT, considerada a natureza alimentícia do crédito trabalhista, é possível interpretar que, proferida a sentença de liquidação, ainda que sob a pendência de agravo de petição, a execução provisória avance agora para além da penhora, atualizando-se o conceito de garantias do devedor contra eventual reforma do “quantum debeatur” às novas estipulações do NCPC.
A polêmica sobre as sentenças líquidas.
O novo código não mais proíbe o juiz de proferir sentença ilíquida quando o autor tiver formulado pedido certo, como estipulava o art. 459 do CPC de 1973. Além disso, nos termos no art. 297 do NCPC, admite-se algumas hipóteses em que o pedido não seja certo e determinado, mas genérico[6]. Na mesma linha, o art. 491 do NCPC permite que o juiz deixe de definir a extensão da obrigação e remeta à liquidação quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido (inciso I) ou quando a apuração do caso depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa (inciso II).
Assim, temos que o novo código reconhece que, na prática, o ideal de “sentenças completas” ou “sentenças líquidas” estão longe de uma possibilidade real para a maior parte dos casos. Em sentido contrário, passa a admitir que a chamada “sentença líquida” ou a que depende de simples cálculo aritmético não decorre apenas de um maior esforço do juiz, mas de fatores que nem sempre estão presentes no processo de conhecimento e que determinarão a necessidade de “completar a sentença” em uma fase de liquidação; seja pela necessidade das partes trazerem elementos novos ao processo; seja pela necessidade de um labor suplementar do juiz em uma liquidação por arbitramento. Uma novidade interessante nas liquidações por arbitramento é a possibilidade das partes apresentarem pareceres ou documentos elucidativos que possibilitem ao juiz decidir de plano, arbitrando o valor devido. Somente em caso de não ser possível a decisão de plano, será nomeado perito.
Tais inovações, destinadas a instrumentar melhor a fase de liquidação no processo civil, parecem vir em sentido contrário às propostas doutrinárias de virtual supressão dos procedimentos de liquidação pela recomendação de que, no processo do trabalho, todas – ou, pelo menos, a maioria das sentenças – sejam líquidas[7]. Existe, de fato, um verdadeiro movimento iniciado pelo advento do artigo 852 B, inciso I da CLT (Lei n. 9957/2000) no procedimento sumaríssimo, que parece pretender resgatar uma suposta essência de um processo trabalhista que deveria ser simples e célere, afastado das complexidades do processo comum e que, por um excesso de formalismo ou por predileção por modismos, estaria se afastando de suas origens.[8] Imagina-se que as sentenças trabalhistas deveriam ser prolatadas de forma completa (ou seja, com todos os parâmetros necessários para apuração do valor monetário efetivo através de simples cálculo aritmético), possibilitando a execução imediata.
Entretanto, a ideia de que uma sentença trabalhista possa ser, quase sempre, líquida pressupõe que todos os dados necessários para a feitura dos cálculos estivessem já contidos na sentença. Porém, como se mencionou, isso não ocorre na maior parte dos casos.
Assim, embora a CLT fale em liquidação por arbitramento, os cálculos em geral não são feitos com base em qualquer arbitramento, mas tem a pretensão de calcular precisamente o valor devido. Em outros casos, embora não se fale em “artigos”, os cálculos não podem ser realizados sem a complementação de dados que não estão disponíveis no processo e que necessitam ser alegados ou provados pelas partes. A complexidade da liquidação de sentença trabalhista é evidente.
Por isso, o reduzido número de sentenças líquidas não decorre apenas de um suposto desinteresse dos juízes, nem dos possíveis riscos à celeridade processual pela adoção necessária de procedimento de cálculo anterior à prolação da sentença. Não se percebe que a exigência de o juiz prolatar “sentenças líquidas” leva-o a adotar procedimentos simplificados de cálculo com forte carga arbitral e/ou a presunções com alto grau de incerteza.
Com base nas inovações trazidas pelo NCPC, seria possível pensar que, também no processo do trabalho, a liquidação de sentença por arbitramento fosse feita pela escolha do juiz entre um ou outro parecer apresentado pelas partes. Seria um retorno a uma decisão arbitral a critério do juiz que simplificaria a execução. Mas, considerada a notória desigualdade entre as partes no processo trabalhista, não parece ser a melhor solução. Nem sempre o trabalhador tem condições de apresentar um parecer especializado (laudo contábil), o que o levaria a ter de aceitar os cálculos feitos pelo empregador.
Assim, há de se repensar o ideal de prolação de sentenças líquidas, com base, agora, nas novas disposições do processo civil.
Conclusões:
1. Seria possível pensar que uma interpretação menos rigorosa do parágrafo 3º do art. 884 da CLT pela qual o executado poderia impugnar a sentença de liquidação em embargos à penhora apenas em hipóteses de cumprimento da sentença ou acordo (matérias típicas de execução como legitimidade de parte, por exemplo), mas não em matéria de cálculos, que ensejariam agravo de petição imediatamente após a prolação da sentença de liquidação. Dessa forma, transitada em julgado a sentença de liquidação, ou seja, fixada a quantidade de unidades monetárias devidas, não haverá falar em revisão dos cálculos exceto no que tange à atualização monetária e juros.
2. A liquidação por simples cálculo aritmético está prevista no parágrafo 2º do art. 509 do NCPC tem aplicação restrita no processo do trabalho, limitando a processos mais simples, em que TODAS os elementos necessários ao cálculo aritmético já estejam contidos no processo de conhecimento, não bastando fórmulas incompletas, simplificações contábeis e arbitramentos aproximativos.
3. Seria possível pensar que uma interpretação menos rigorosa do parágrafo 3º do art. 884 da CLT pela qual o executado poderia impugnar a sentença de liquidação em embargos à penhora apenas em hipóteses de cumprimento da sentença ou acordo (matérias típicas de execução como legitimidade de parte, por exemplo), mas não em matéria de cálculos, que ensejariam agravo de petição imediatamente após a prolação da sentença de liquidação. Dessa forma, transitada em julgado a sentença de liquidação, ou seja, fixada a quantidade de unidades monetárias devidas, não haverá falar em revisão dos cálculos exceto no que tange à atualização monetária e juros.
4. Em uma aplicação supletiva do art. 899 da CLT, considerada a natureza alimentícia do crédito trabalhista, é possível interpretar que, proferida a sentença de liquidação, ainda que sob a pendência de agravo de petição, a execução provisória avance agora para além da penhora, atualizando-se o conceito de garantias do devedor contra eventual reforma do “quantum debeatur” às novas estipulações do NCPC.
5. há de se repensar o ideal de prolação de sentenças líquidas, com base, agora, nas novas disposições do processo civil.
REFERÊNCIAS:
CORDEIRO, Wolnei de Macedo. Execução no processo do trabalho. 2ª ed. Juspodivm, 2016.
DIDIER JR, Fredie et ali. Curso de processo civil, v.5, 5ª Ed. Salvador. Juspodivm, 2014.
DRESCH, Renato Luiz. Comentário sobre a nova disciplina da liquidação e execução de sentenças e demais alterações da Lei n. 11.232/2005. Jurisprudência Mineira. Ano 56 v. 175 out/dez, 2005. Belo Horizonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, p. 38-46.
FRAGA, Ricardo; VARGAS, Luiz Alberto de. Falácia da simplicidade objetivamente determinável. In: Sumaríssimo. Porto Alegre: Nota Dez -HS Editora, p. 36-42.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. A obrigatoriedade de sentença líquida no processo do trabalho. 2002. Disponível em http://amdjus.com.br/doutrina/trabalhista/83.htm. Acesso em 01/7/2016.
Novo Código de Processo Civil comparado Lei 13.105/2015. Coordenação Luiz Fux; organização Daniel Amorim Assumpção Neves. 2º ed. revista Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2015.
OLIVEIRA, Francisco Antonio de. A nova reforma processual: reflexos sobre o processo do trabalho. Revista LTr, v. 70, n. 12, dez-2006. São Paulo, p. 1421-9.
SCHIAVI, Mauro. Novo Código de Processo Civil: a aplicação supletiva e subsidiária ao Processo do Trabalho. 2015. Disponível em www.trt7.jus.br Acesso em 20/7/2016.
TALAMINI, Eduardo. Agravo de instrumento: hipóteses de cabimento no CPC/15. Disponível em http://migalhas.com.br/dePeso. Acesso em 10/7/2016.
[1] Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente contra a decisão prolatada em sede de liquidação que pode efetivamente encerrar o processo – e, assim, tem natureza de sentença, cabe o recurso de apelação (STJ 3a T, – REsp: 1291318 RS 2011/0116180-0, Relator: Min, Nancy Andrighi, julg: 7/02/2012) [2] A despeito do parágrafo 1º do art. 884 restringir a “matéria de defesa” às alegações de cumprimento da decisão ou acordo, quitação ou prescrição da dívida, uma interpretação literal da expressão “impugnar a sentença de liquidação” do parágrafo 3º dá ensejo a uma apreciação dúplice da matéria atinente à liquidação de sentença: a primeira, na “homologação dos cálculos”; a segunda, na “sentença de execução”, apreciando embargos à execução e/ou impugnação à sentença de liquidação”. [3] Art. 16, § 1º, da Lei 6.830/80. Não havendo garantia por qualquer das suas formas, ou sendo insuficiente, não têm lugar os embargos à execução.” [4] Tal lei, de grande alcance, destinada a simplificar e agilizar o processo do trabalho, infelizmente, tem sido pouco utilizada devido ao equívoco de se entender obrigatório o rito sumaríssimo para todas as causas inferiores a quarenta salários mínimos, ao invés de facultar-se à parte a escolha do rito. As restrições à prova e ao direito de defesa da parte, próprias de causas simples, leva à uma “fuga” do rito sumaríssimo em causas de pequeno valor, porém complexas. A esse respeito, FRAGA:VARGAS, 2000, p.41. [5] Agradeço a Ben-hur Silveira por esta importante observação em contribuição a este trabalho. [6] As hipóteses previstas são: (I.) nas ações universais, não puder individuar na petição os bens demandados; (II) não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato ilícito; e (III.) a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu. [7] Nesse sentido, a Recomendação da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, CGJT n. 02/2014. [8] Em sentido contrário, sobre “a absoluta ausência de imposição de apresentação dos valores objeto de condenação em unidades monetárias previamente quantificadas na sentença trabalhista de conhecimento”, ver GARCIA, 2002).
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